Recentemente assisti à Conclave, filme lançado na Amazon Prime Vídeo no melhor timing possível. O filme é realmente incrível, não à toa concorreu a diversas categorias do Oscar 2025 e outras premiações.
Pela minha formação em Relações Internacionais, é interessantíssimo assistir à toda a trama que envolve o momento dramático da Igreja Católica. Mas pelos meus anos como estudante e aspirante à arquiteta, algo que me chamou muita a atenção foram os detalhes artísticos em todos os ambientes do filme.
A arte sempre foi algo presente no cotidiano do homem, desde a era Paleolítica, o homem primitivo se comunicava com desenhos. A tinta era uma mistura que incluía inclusive sangue animal. Toda a história da arte gira em torno do comunicar, transmitir mensagens, contar uma história, alertar, emocionar. Até o dia de hoje, assim continua sendo e sempre será. Em qualquer forma de arte, existe uma mensagem a ser passada adiante, seja ela qual for.
Nos primórdios, a arte rupestre representava o modus operandi de um grupo de indivíduos presentes no local, como a caça realizada e os animais que por ali viviam. As imagens egípcias dentro das pirâmides passavam uma mensagem religiosa e política que hierarquizava toda a sociedade no momento, mas além disso também contava, etapa por etapa, diversos episódios vividos pelos impérios. Na Europa, a arte foi usada como ferramenta da realeza para impor autoridade através de pinturas retratando vitórias vividas por seus governantes, colocando a pessoa política em evidência de alguma forma. Para evidenciar a espiritualidade e religião, a arte também foi amplamente usada na Ásia.

Todos os usos das diversas formas de arte formam uma rede de comunicação de incrível análise e sucesso em sua propagação. O maior exemplo disso é o uso religioso de pinturas, esculturas e construções inteiras voltadas para emocionar e induzir o espectador a um estado específico de clareza, espiritualidade, humanidade e emoção.
Mas além do comunicar, as artes foram sendo estudadas e começaram a ser mais bem elaboradas a partir de novas técnicas que foram surgindo ao longo dos anos. A beleza passou a ter o mesmo grau de importância que a mensagem que precisava ser passada.
Para mim, o período em que a arte foi utilizada no seu sentido mais literal, foi o Barroco, afinal arte é “voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a subjetividade da expressão humana”. Mas o ponto que sempre gera opiniões divergentes é: o que é de fato belo?
O Barroco composto por detalhes, na época, voltou-se para engajar e aumentar os adeptos do catolicismo, foi representado por diversos artistas, escultores, pintores e arquitetos da época. Caravaggio, inventor do “chiaroscuro”, foi o principal representante do movimento barroco nas artes plásticas. Bernini, grande responsável pela Basílica de São Pedro, representou o barroco na arquitetura e escultura. O Palácio de Versalles foi projetado por Louis Le Vau. Entre tantas obras, o barroco comoveu diversas pessoas, independentemente do seu objetivo principal. Apenas as famílias ricas conseguiam encomendar serviços dos principais artistas da época, mas desmerecer a beleza por sua utilização é algo questionável.


Muitos alegam que, na verdade, a evolução artística surgiu com o Modernismo e suas linhas limpas, retas, simplistas e funcionais. Perceba que a beleza aqui não é característica central. De tudo o que leio, esse é o período que mais me incomoda porque, apesar da arte ser usada como ferramenta política nos movimentos anteriores, é possível ignorarmos esse aspecto e focarmos apenas na emoção que sentimos ao ver imagens como “O êxtase de Santa Tereza”, admirá-la, se sentir sem fôlego com tamanho detalhe e ao pensar que o que se vê foi feito por mãos hábeis e talentosas e não por uma máquina.
Não entenda que a crítica ao Modernismo é total, pelo contrário. Cada movimento artístico serviu à sua época de formas diferentes a partir do contexto social que se desenvolveu. Mas é fato que, a partir do Modernismo na arte e das Revoluções Industriais economia, todo o processo artístico passou a ser padronizado, voltado apenas para o funcional pois, parece que não há mais tempo para admirar nada. Hoje, os prédios são os mesmos, as casas iguais, não vemos mais artistas plásticos exibindo suas técnicas e serem reconhecidos mundialmente. Não existe mais emoção nas obras físicas. Tudo o que sentimos encontra-se reproduzido em telas planas, HDs, 4K, etc.

A sociedade mudou e nos últimos anos tem mudado ainda mais rápido. É comum vermos crianças que sequer conseguem ter concentração suficiente para pintar um desenho. Não há mais atividades manuais dentro de casa, a não ser que seja “manual” no celular, no computador. Agora temos a Inteligência Artificial que, aclamada por muitos que se utilizam dela, substitui, sim, pessoas em suas funções. “Ah, mas as pessoas precisam se adaptar, aprender e migrar de carreira se for o caso”. Oi?
O imediatismo provém de todas as Revoluções Industriais que o mundo viveu: cada vez mais longe, mais grandioso no menor tempo possível. Eficiência não tem a ver com tempo de entrega, mas sim sem erros e/ou desperdícios. Talvez esse seja o ponto mais relevante para se defender o uso da IA no lugar do material humano, afinal, “errar é humano”. Mas hoje em dia parece que errar é a característica humana mais detestável e odiada pelas empresas.
Nesse ponto, podemos novamente voltar para a arte. Leonardo Da Vinci, conhecido como o principal nome da Renascença era interessado em diversas disciplinas como natureza, estudo corporal, arquitetura, geologia, óptica, engenharia, também ficou famoso por deter diversos esboços em seus cadernos. Mas mesmo com os desenhos preliminares, uma obra prima não “sai de primeira”. A Monalisa demorou 3 anos para ser concluída. Que absurdo! Sem chances de alguém o contratar.
Entenda que aqui não se trata de recursos, mas sim de técnica. No quadro Monalisa, Da Vinci utilizou-se do “sfumato”, técnica criada por ele mesmo para esfumar e suavizar contornos, criando degradês sutis.

Sem tentativas, sem estudos, sem erro, sem tempo, nada de novo é criado.
Hoje muito se fala, principalmente no Linkedin, sobre entregar inovação, sobre ser diferente, sobre ter capacidade criativa, como requisitos para uma contratação. Mas o que as empresas estão dispostas a proporcionar para que se entregue algo novo? Da Vinci com certeza seria demitido no primeiro mês. Caravaggio, Bernini, Raffaelo, Aleijadinho, Michelangelo, Velázquez, Ticiano, nenhum deles e nenhum outro conseguiria um emprego nos dias de hoje.
É claro que, atividades criativas são completamente diferentes de atividades exatas, matemáticas, de análise. É óbvio que algumas funções ficam muito melhores com a utilização de uma máquina, principalmente aquelas de risco. O que questiono é a generalização do uso da inteligência artificial, é a simplificação, a padronização. Não à toa, atividades manuais, hoje, são usadas como rota de fuga para quadros de ansiedade, depressão, e outras doenças e transtornos psicológicos.
A emoção que sentimos ao ver a Fontana di Trevi, os jardins de Versalles, Apollo e Dafne, a Catedral de São Pedro, não foi pensada por uma IA.
O mais irônico nisso tudo é que, toda a revolução da tecnologia proporciona um caminho amplo – porém distante – para a volta das atividades manuais, originais. Hoje, quando algo consegue sair da curva do padrão gera-se comoção, emoção, admiração. O repetitivo tende a morrer, afinal pela repetição é que se ensina a máquina. O padrão é o que a IA consegue entregar.
Você tem uma mentalidade criativa? O que você faz para exercitá-la? Nesse texto falei das artes plásticas, mas a criatividade estende-se à escrita, à música, à dança etc. Qual a mensagem que você quer passar? Qual emoção você gostaria de transmitir? Quer causar reflexão?

A Inteligência Artificial pode ser uma ferramenta poderosa para te alavancar em muitos aspectos, mas não deixe a sua criação cair no imediatismo. É muito pouco se contentar com o padrão.






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